Cristóvão Afonso da Silva é um pantaneiro de 'corpo e alma'. Bom de conversa, seu olhar evoca o silêncio das grandiosas comitivas que lentamente transportam o gado de uma a outra fazenda no pe-ríodo das cheias. Ao mesmo tempo, revela a inquietude de uma época de mudanças na criação do cavalo pantaneiro. Criador apaixonado da raça merecidamente eleita símbolo de Mato Grosso, ele testemunha a transição entre a seleção natural de mais de 300 anos com a incorporação de tecnolo-gias modernas, enquanto o mercado salta as fronteiras do estado. Na mesma trilha, filhos dele e de outros fazendeiros, jovens de 23, 25 e 27 anos, estudam fora e retornam com ideias novas.
Cristóvão, um veterinário de 58 anos, todos eles passados no clima hostil do Pantanal nos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, vive seis meses sob seca absoluta - no ano passado foram sete meses - e a outra metade do ano cercado de água. Ele faz a ponte entre a tradição do cavalo pantaneiro, sem o qual seria impossível a sobrevivência do homem naquela região inóspita, e 'a saí-da da raça do Pantanal para o mundo', como diz o também dedicado criador Evandro Loureiro Bor-ba, adepto das inovações
O cavalo pantaneiro é conhecido por ser à prova d'água. Meio anfíbio, ele passa seis meses com as patas submersas. Resistente, suporta outro tanto na seca brava, tempo de barro virar pedra. O apri-moramento genético vem transformando rapidamente aquele animal antes miudinho, cara de panga-ré, em uma montaria maior, respeitando a herança secular. Diante do cenário, Cristóvão recomenda prudência e calma. Calma, por sinal, é a palavra síntese da existência no Pantanal e está colada ao destino de Cristóvão. Nas cheias, as águas sobem de mansinho, como o nado do jacaré - outro íco-ne da região -, e isolam a casa do veterinário do perímetro urbano de Poconé, MT, que fica a 20 qui-lômetros. 'De todos os lados que olhamos é uma imensidão de água', diz. Pelo menos uma vez ao mês, Cristóvão monta a Pacha da Santa Tereza, uma valente égua de cinco anos, ou então a Delícia da Santa Tereza, égua dois anos mais velha, e vai à cidade em busca de mantimentos, comida ou remédio. Passo a passo, ele e o animal gastam sete, oito ou mais horas só para ir e a mesma quan-tidade de tempo no retorno.