Queijo Brun
Globo Rural - 31 de maio de 2009
O Globo Rural viaja para o Mato Grosso do Sul, onde há um assentado do Incra que se tornou referência por dois motivos. O primeiro é que ele vem fazendo um queijo já bastante famoso na região. O segundo é que não tem como falar em reforma agrária no Estado sem citar o nome do seu Álido Brun.
Chapadão do Sul é um importante produtor agrícola de Mato Grosso do Sul. As grandes lavouras de milho, soja, cana e a criação de gado de corte são as principais atividades econômicas do município.
Foi nessas terras que, em meados dos anos 80, surgiu o assentamento Sucuriú, um dos primeiros do Estado, localizado às margens da BR-060. Um dos lotes virou um dos pontos mais visitados de Chapadão do Sul por causa do queijo tipo suíço feito pelo seu Álido Brun, um gaúcho de Santa Rosa.
Para quem chega pela primeira vez, seu Álido vai logo explicando as qualidades do produto. “Esse queijo não engorda, sabia? Ele não engorda. Engordamos nós se comermos ele”, brincou.
De fatia em fatia, os fregueses vão dando o veredicto. “Eu acho que eu vou ser freguês agora”, falou o comerciante de gado Aparecido Rafael Gonçalves.
“Vou fazer a vontade da família inteira. É um queijo muito delicioso, macio e o gosto é diferente. Não tem parecido”, avaliou o agricultor Rafael Burgel.
O seu Brun vende uma média de 40 quilos de queijo por dia e cobra R$ 25 o quilo. Só que fazer queijo nem sempre foi a sua especialidade. A primeira terra do seu Brun em Mato Grosso do Sul ficava em São Gabriel do Oeste, a quase 30 quilômetros de Chapadão do Sul.
Logo depois que chegou do Rio Grande do Sul com a família a São Gabriel do Oeste, ele plantou cem hectares de soja e colheu uma safra promissora, com uma produtividade de 50 sacas por hectare. No ano seguinte, o ataque do nematóide, uma praga que prejudica a raiz das plantas, fez a produção despencar.
“Colhemos oito por hectares em vez dos 50. Então, a gente teve que vender tudo. Só ficou um tratorzinho velho e uma mudança toda escorada com pedaço de tijolos”, contou seu Brun.
Foi com a mudança que o casal e seus três filhos seguiram para Chapadão do Sul depois que ganharam um lote do Incra no assentamento Sucuriú.
“Faltava tudo. Não tinha energia, não tinha água. Até que a gente abriu o poço. Não tinha banheiro. Então, foi um pouco difícil”, lembrou a agricultora Elda Molinari.
“Quando eu saía na cidade, a minha esposa ficava com vergonha de dizer que estava no Incra. Eu não. Eu estufava o peito para falar que era assentado do Incra, mesmo que alguém me virasse as costas. Eu tinha a certeza absoluta que em pouco tempo eu ia vencer e ia mostrar que assentado também é gente e progride também”, falou seu Brun.
O Mato Grosso do Sul tem quase 30 mil assentados. A maioria produz para comer, na chamada agricultura de subsistência. Das 239 famílias que foram para o assentamento Sucuriú, em Chapadão do Sul, no ano de 1985, apenas nove continuam em seus lotes. Nenhum deles conseguiu fazer um produto diferenciado como o queijo do seu Brun.
O superintendente do Incra em Mato Grosso do Sul, Flodoaldo de Alencar, encontra motivos para tanto abandono e pouco sucesso nas terras do assentamento.
“As pessoas saem da terra primeiro porque alguns não têm vocação para a terra; outros porque não aguentam o tranco, achavam que viriam fazer uma coisa muito fácil e é difícil. Nós corremos um risco de que um percentual dessas famílias não estejam adaptadas. Realmente, existe a necessidade de aprimoramento desse processo”, concluiu Alencar.
A experiência de vida como assentado fez seu Brun ter uma opinião bem original sobre o que é preciso fazer para que a reforma agrária dê certo. “A grande saída da reforma agrária é trabalhar em cima da mulher. Se começar a ganhar dinheiro e ela ver futuro, ela chamais vai deixar o marido vender. Do contrário, como está acontecendo, é ela que pede para ir embora porque vive cansada de viver embaixo de uma lona, sem condições de tomar um banho decente, de arrumar um cabelo, de nada”, falou.
Sempre atento aos assuntos que rondam o seu dia-a-dia, seu Brun não deixa de implantar novidades na propriedade. Há um ano e meio, por exemplo, passou a fornecer para os animais o capim elefante pioneiro, lançado pela Embrapa Gado de Leite.
“O gado come com vontade esse capim. O outro capim tem 60% de caule e 40% de folhas. Esse tem 70% de folhas e 30% de caule. É mais macio e a nutrição está na folha não no caule. Os animais adoram”, falou seu Brun.
Com o gado comendo assim, o dia-a-dia do seu Brun com os animais fica bem mais fácil. “Não dá trabalho. O gado busca no campo. Nós não podemos ser garçons de vaca. A minha filosofia é gastar pouco e ganhar bastante. Não é porque eu vendo meu queijo bem valorizado que eu vou produzir um leite caro”, disse seu Brun.
Outra aposta para melhorar a produção de leite é o uso de sêmen do gado jersey, o que seu Brun vem fazendo há cerca de cinco anos. A ideia dele é formar um plantel puro por cruza, o que ainda deve demorar um pouco.
“Mesmo o gado não sendo tão puro, sendo ainda meio cruzado, já fez uma diferença grande na coloração do queijo. Fica uma cor dourada, uma cor linda e o sabor. E quanto mais puro o jersey, mais aumenta o sabor”, explicou seu Brun.
É que o leite das vacas jersey tem um teor de gordura um pouco mais alto do que o de outras raças. Com esse rebanho, a rotina do José Paulo Pereira, o único funcionário que seu Brun mantém na propriedade, é a mesma de qualquer outro retireiro: tocar as vacas, limpar as tetas, ajustar a ordenhadeira, checar se o leite está descendo e passar iodo para o controle da mastitie. Mas todo esse trabalho só começa depois que o aparelho de som passa a funcionar.
“Eu gostei e elas gostaram também. Eu sei que elas gostaram porque pararam de sujar a estivaria. Já não fazem coco mais. Ficam quitinhas. Se ficar um dia sem som, elas já começam a meter o pé, começam voltar para trás. Já não gostam”, esclareceu o Paulinho.
Outro capricho do seu Brun pelo lugar mal dá para notar. É a inclinação do piso da sala de ordenha. “Quando a vaca está com a parte dianteira mais alta, ela não tem medo. Ela se sente segura”, esclareceu seu Brun.
Detalhes assim fazem a diferença na propriedade. Pelo menos é o que acredita seu Brun. Os 400 litros de leite que o Paulinho tira todos os dias vai para o tanque de resfriamento. No dia seguinte, começa o processo de fabricação do queijo, que seu Brun aprendeu a fazer sozinho.
Do lado de fora, a labareda esquenta a água que está sendo bombeada para aquecer o tacho onde o seu Brun coloca o leite. O esquema é o seguinte: a água circula por uma serpentina de 30 metros localizada em cima do fogo. Como a parede do tacho é feita com duas folhas de aço inoxidável, a água preenche o vão que fica entre elas. E o leite passa a esquentar em banho maria, até chegar a uma temperatura de 63 graus.
“Antigamente, eu mexia esse leite no braço. Dava 2,6 mil maniveladas. Eu cheguei a contar”, falou seu Brun.
Quando o termômetro marca 63 graus é hora de baixar a temperatura. Com o leite a 37 graus, é hora de acrescentar os outros ingredientes: o coalho, o fermento lácteo e o sal. E parar de mexer. Para fazer um quilo de queijo, são necessários cerca de dez litros de leite. Descansando por cerca de 50 minutos, a massa coalha.
O seu Brun, então, corta na horizontal, corta na vertical e volta a colocar o mexedor motorizado. O Paulinho, do lado de fora, toca a lenha na fogueira. A temperatura deve chegar 48 graus. Depois de duas horas “é o ponto de tirar para ele não grudar no pano e, também, ficar bem lisinho”, disse seu Brun.
O seu Brun começa, então, a separar o soro da massa e a encher a formas. Os pesos são improvisados com garrafas pet cheias de areia.
“São muitos detalhes para fazer um queijo por isso que eu não tenho medo de passar toda receita. Eu estou contando tudo. Se alguém entender tão direitinho e começar a fazer um queijo igual ao meu, daqui uns três ou quatro meses ele está lá atrás porque eu não vou parar nunca. Tem que sempre aprimorar e melhorar ele sempre. Daqui um ano, esse queijo eu não quero nem ver no porão. Quero ter um queijo bem melhor, tenho certeza absoluta”, disse seu Brun.
Depois de quatro horas, seu Brun vira os queijos para prensá-los do outro lado. E vão ficar assim por mais quatro horas, até uma nova virada. Dessa vez, para um descanso de 40 minutos sem os pesos. Depois, é colocar na salmoura por pelo menos 12 horas.
Passado esse período, seu Brun lava todos os queijos esfregando com uma pedra daquelas de amolar faca. É para dar um acabamento mais bonito antes levá-los à prateleira, onde vão ficar numa sala mantida a 19 graus centígrados.
“O queijo já fica com uma coloração mais amarelada. Inclusive essa coloração é um charme do queijo, é a característica de um queijo curado. Eu tenho um queijo que está aproximando um ano já. A pessoa compra e aqui é uma creche. A gente guarda e cuida para ele. Eu não posso vender fora da propriedade. Só vendo aqui”, avisou seu Brun.
Isso porque o seu Brun está com problemas para conseguir o selo de inspeção, seja ele municipal, estadual ou federal.
Em Chapadão do Sul, o coordenador da Vigilância Sanitária do município, Luiz Fernando Torres, diz que como essa é uma dificuldade comum em pequenas propriedades, não basta punir. É preciso que haja um trabalho educacional com os produtores no intuito de adequar a produção às boas práticas de manipulação de alimentos.
“Onde vai orientar o pequeno produtor rural a melhorar os produtos fabricados na fazenda. Eu acredito que o seu Brun não teria que investir muita coisa para conseguir se adequar a essas regras. Eu acho que algo em torno de R$ 20 mil. Eu não tenho muita idéia, mas em torno disso ele pode fazer uma área adequada para a manipulação dos queijos. Seria uma sala azulejada, piso azulejado e janelas. Em contrapartida, os funcionários deverão trabalhar de jaleco branco, bota branca, toquinha e luva. Atentar a toda essa parte de cuidado na manipulação, que é uma segurança a mais para a qualidade do queijo dele. O queijo do seu Brun é um produto excelente. Só falta ele se adequar às normas da Vigilância Sanitária para ficar uma coisa legal”, explicou Torres.
Mesmo sem ainda ter o selo da vigilância, seu Brun já é referência para o pessoal do Incra no Estado devido ao sucesso da sua propriedade. “Na história do Incra em Mato Grosso do Sul ele tem uma importância muito grande porque ele foi uma dessas pessoas que demonstrou que a reforma agrária dá certo quando bem feita”, ressaltou Alencar.
Uma das características do queijo tipo suíço são orifícios que parecem bolhas de ar. São as chamadas olheaduras.
A convite do Incra, seu Brun visita muitos assentamentos em Mato Grosso do Sul para contar a sua história e promover a dignidade do homem do campo.
Fonte: TV Globo Rural