Estratégias para se alcançar alta fertilidade com baixo custo
Alto desempenho reprodutivo pode ser obtido atendendo a três pontos: boa oferta de pastagem, adequada mineralização e correto manejo reprodutivo. Por Sérgio Raposo.
Inseminação artificial em tempo fixo, sexagem, transferência de embrião e tantas outras tecnologias de ponta estão disponíveis ao criador que ele pode ter uma forte sensação de que sua realidade esteja ultrapassada. Uma decorrência desta situação é que, frequentemente, essas e outras opções tecnológicas passam a ser o objetivo do produtor que acaba se descuidando do básico.
A premissa fundamental deste artigo é que alto desempenho reprodutivo pode ser obtido apenas atendendo a três pontos simples: boa oferta de pastagem, adequada mineralização e correto manejo reprodutivo.
A parte do manejo reprodutivo propriamente dito não será abordada aqui, ficando o foco mais propriamente ligado à nutrição. Pontos como relação touro:vaca, testes andrológicos, detecção eficiente de cio, correta inseminação e tantos outros estariam sendo considerados bem atendidos.
A seguir considerações sobre onde costumam estar os gargalos na pastagem, mineralização e nutrição de forma geral dos rebanhos de cria.
Pastagem
A pastagem é a base sobre a qual o Brasil tornou-se o maior exportador mundial de carnes. Apesar desta ser uma verdade incontestável e poder se concluir que há grande competência no uso da pastagem, isso cai por terra quando se confronta com a triste realidade de mais de 50% das pastagens no Brasil terem algum grau de degradação. Ao mesmo tempo, essa situação justifica termos médias tão medíocres de fertilidade do rebanho.
O grande responsável pelo estado ruim das pastagens, e o consequente mal desempenho reprodutivo, sem sombra de dúvida, é o super-pastejo. As forrageiras tropicais precisam de área foliar remanescente para rebrotarem eficientemente. Por isso, sempre deve haver forragem "sobrando" no pasto, pois são essas folhas residuais que produziram, a partir da fotossíntese, os nutrientes que permitirão uma mais rápida rebrota.
Para o pecuarista esse resíduo de forragem parece perda de oportunidade e isso faz com que ele coloque mais animais por área e rebaixe muito o pasto. A forragem do pasto rapado demora mais a rebrotar e acaba perdendo a competição para as invasoras.
Além disso, a cada ciclo a forragem depende de mobilizar a pouca energia que tem nas raízes e estas acabam reduzindo de tamanho cada vez mais e mais. Isso chega a um ponto tão extremo que uma pastagem assim manejada pode não responder à adubação, uma vez que as raízes não são capazes de absorver bem o adubo. Por serem também mais superficiais, essa pastagem sente mais a falta de chuvas e acaba parando o crescimento e secando antes da hora.
Esse tipo de conduta de não respeitar os limites da forragem fica evidente em uma viagem por qualquer estrada do cerrado brasileiro cuja cena recorrente é uma sucessão de pastagem rapadas e, invariavelmente, repletas de plantas invasoras.
A primeira providência para evitar isso é não exagerar na lotação da pastagem e, se errar, que seja por sub-lotação, permitindo sempre a área foliar remanescente. A segunda é ter consciência que, por não se tratar de um sistema fechado, em algum momento haverá necessidade de recuperação da fertilidade do solo.
No caso de pastagens a serem implantadas ou reformas, há uma grande oportunidade que é começar bem as coisas para ajudar no máximo aproveitamento e melhor condição de sustentabilidade. Assim, escolher conscientemente a melhor forrageira para sua situação específica é exemplo de algo que não envolve qualquer desembolso, mas apenas informação e terá efeito por todo o tempo que durar essa pastagem. Em seguida, fazer a implantação dentro das melhores técnicas (análise e correção do solo, preparo do solo, enterrio da semente e compactação, época de plantio, etc.) permite potencializar a produção, reduzir custos com adubação futura e aumentar a vida útil da pastagem.
Como indicadores de adequação de carga de animais na pastagem, a observação da própria condição da pastagem junto com o desempenho animal são as melhores escolhas.
Mineralização
A oferta de minerais aos animais é uma prática tão simples e já há tanto tempo incorporada nas boas fazendas que tem sido sistematicamente deixada em segundo plano e não devidamente considerada.
O simples fato de oferecer sal mineral ao gado não garante uma efetiva nutrição mineral aos animais. Em primeiro lugar, é importante que a fórmula da mistura seja indicada para a categoria animal e para a condição da pastagem, pois a diferença entre as exigências nutricionais dos primeiros e o que oferece a forragem é o que o mineral deve suprir.
Em sendo a fórmula adequada, isto é, os teores de minerais são bem balanceados, vem a segunda parte da questão que é o consumo. Um animal consumindo um sal mineral com 90 g/kg de fósforo, mas com consumo 50 g/cabeça.dia supre menos P do que outro, com 80 g/kg de fósforo, mas cujo consumo seja de 60 g/cabeça.dia. No caso, 4,5 g P/cab.dia e 4,8 g P/cab.dia, respectivamente. É importante frisar isso, pois há muita gente que ainda compara sais minerais apenas com base no teor de nutriente, sem levar em conta o consumo.
Vale lembrar que os fabricantes são obrigados a informar o consumo esperado do produto no rótulo. Ainda que esse valor seja apenas uma referência, pois, na prática o consumo de minerais é bastante variável, deve ser usado como valor-alvo a ser perseguido, salve disposição em contrário por técnico habilitado.
O grande problema é que, apenas quando há excesso de consumo, o produtor costuma se incomodar, pois isso traz consequências diretas de aumento de desembolso. É claro que o pecuarista deve se preocupar com consumos excessivos, apesar de ser um problema bem mais fácil de resolver, uma vez que geralmente basta reduzir a oferta. Todavia, o subconsumo costuma trazer muito mais prejuízo, uma vez que os animais podem estar desempenhando abaixo do seu potencial.
A oferta de um bom sal mineral (ver Box), associado a boa disponibilidade de forragem, tem enorme impacto no desempenho do rebanho de cria. O que pode acontecer quando se deixa de usar o sal mineral é: Aumento em até 12 vezes da ocorrência de abortos; ter menos 17 bezerros para cada 100 vacas por ano.; redução em 20% ou mais do peso médio de desmama.
Além do pior desempenho em função da deficiência mineral influenciar diretamente determinada ação fisiológica (por exemplo, Zinco é fundamental para o espermatogênese em machos e manifestação de cio para as fêmeas), animais submineralizados são mais suscetíveis às doenças, uma vez que vários minerais estão envolvidos no funcionamento do sistema imunológico. Isso equivale a dizer que dois animais idênticos, em um mesmo lugar, podem resultar em um animal sadio e outro doente, pois este último não estava tão bem mineralizado quanto o primeiro.
Portanto, a providência mais importante que um produtor deve tomar em relação ao manejo de mineralização do rebanho é controlar o consumo para checar se as exigências minerais estão sendo atendidas. Esse controle deve ser feito nem que seja apenas uma média baseada no volume de sal comprado em determinado tempo dividido pelo número de animais que este sal foi fornecido multiplicado pelo tempo. Abaixo é mostrado cálculo semelhante para determinar em uma pastagem:
Fórmula para calcular o consumo médio do sal mineral na pastagem:
Consumo médio (g/cab/dia) = [(ABASTECIDO dia inicial - SOBRA dia final)] / número de dias x número de cabeças)
Para fazer o cálculo em base de unidade animal (UA), deve-se transformar o número de cabeças em números de UA, que representa um animal padrão de 450 kg de peso vivo. Para tal, basta saber o peso médio e transformá-lo em UA pela fórmula: UA = Peso Vivo Médio/450
Por exemplo: Se PV = 225 kg;
UA = 225/450 = 0,5 UA.
Portanto, em um piquete com 100 animais com PV médio de 225 kg, tem-se 50 UA. A vantagem de fazer o cálculo como UA é que a referência ao consumo de minerais normalmente é feita para essa unidade.
Essa conta resulta no consumo médio e serve de base para checar o quanto ela está acima ou abaixo do esperado, o que é fundamental para tomadas de decisão quanto ao manejo da suplementação. Todavia, pode ser enganoso, caso o manejo da mineralização esteja deficiente.
A maior razão deste valor poder não representar a realidade é a questão de acesso do animal ao cocho. Portanto, a maior preocupação do pecuarista deve ser oferecer adequado espaço linear de cocho. Para o sal mineral convencional e sal mineral com uréia, basta haver de 4 a 6 cm lineares por UA. Isso implica que, para cada 100 UAs deva haver 4 a 6 m lineares de cocho. Desde que haja acesso simultâneo dos animais pelos dois lados, podem ser usados um cocho com de 2 a 3 m. Para misturas múltiplas (proteinados) com auto-regulação de consumo (isto é, alto teor de sódio), deve-se, no mínimo, dobrar esse espaço.
Com esse espaço linear mínimo respeitado, lotes homogêneos, cochos bem distribuídos, abastecimento frequente (a cada três ou quatro dias) e um produto correto em uso, o consumo médio calculado da maneira recomendada acima deve se aproximar do que ocorre na realidade, ou seja, consegue-se mineralizar adequadamente os animais.
Um aspecto interessante do comportamento dos animais e que demonstra a importância de dar bom acesso a todos é que os bovinos são animais gregários e que tem lideranças estabelecidas. Desta forma, quando os animais líderes resolvem sair de perto do cocho para a atividade de pastejo, todo o grupo sai e, assim, os animais mais submissos vão muitas vezes acompanhar o grupo sem nem ao menos terem se aproximado do cocho.
É por isso que, além do mínimo de espaço linear, ter mais de um cocho ajuda no consumo do sal mineral, pois o submisso acaba indo no qual fique longe o suficiente daquele animal que tenha medo. É por isso, também, que a disposição dos cochos é importante e deixar o espaço equivalente a dois corpos adultos de animais entre eles é uma boa providência.
Na figura 1 é mostrado o resultado de um grande número de amostras de pastagem no cerrado brasileiro feitas no Laboratório de Nutrição Animal da Embrapa Gado de Corte e a porcentagem em que estes minerais foram encontrado em quantidades que predispõe deficiência mineral.
Pode-se observar que o Cálcio (Ca), o Fósforo (P), o Sódio (Na); o Zinco (Zn) e o Cobre (Cu) são os que devemos ter maiores preocupações, junto com o Iodo (I), o Cobalto (Co) e o Selênio (Se). Todos esses minerais tem ação indireta e direta na reprodução animal.
No Gráfico 1, há a representação da exigência de um animal ao longo de um ano. Nas colunas, a exigência de P (g/cab./dia), representadas pelos seus componentes: mantença(Me); lactação (Lac) e gestação (Ge). Na linha, em azul, a ingestão de P (g/cab./dia).
A diferença entre o ponto na linha e o topo da coluna corresponde ao valor que precisa ser suplementado. O aporte do sal mineral (cerca de 4 g/cab./dia) é suficiente para atender a exigência na maior parte dos meses. Nas épocas em que mesmo com esse aporte do mineral, há déficit, o animal lança mão de suas reservas, que são recuperadas nos meses em que o consumo de P excede a exigência (pontos acima do topo das colunas).
Um último ponto interessante de abordar quanto à mineralização diz respeito a importância dela ao longo do ano. O pecuarista costuma se preocupar com a mineralização dos animais na seca, mas a época em que ele mais faz diferença é nas águas, quando as condições da pastagem permitem um maior aporte de energia e proteína. É nessa condição que se aumenta o desempenho e, portanto, a exigência do animal.
Há vários trabalhos mostrando que a comparação entre sal branco (apenas NaCl) e sal mineralizado completo na seca praticamente inexiste, uma vez que o aporte de energia e proteína é tão baixo que não existe necessidade de suplementação mineral. Todavia, a recomendação aqui não seria a de deixar o sal branco, mas usar, pelo menos, a tecnologia do sal com uréia para manter o peso do animal.
Nutrição em pasto e condição corporal dos animais
A condição corporal (CC) dos animais indica o grau de acabamento ou teor de gordura corporal destes. Ela é uma variável que está intimamente ligada ao desempenho reprodutivo dos animais. Há uma escala de 1 a 9, onde 1 é uma animal extremamente magro e o 9 seria uma animal extremamente gordo. A recomendação é fazer com que a vaca tenha, no mínimo, condição corporal 5 ao parto. O animal com escore 5 de CC corresponde a um animal costumeiramente chamado de "meia-carne", isto é, nem gordo, nem magro.
Há duas condições básicas para manutenção de boa CC: 1) aproveitar bem a boa oferta de forragem nas águas; 2) ter reservas de volumoso na seca e corrigir o teor de proteína deste, se necessário. A opção mais prática e barata para atender o item 2 é o diferimento de pastagem, isto é, a vedação de piquetes ainda no verão para acúmulo de forragem. A vedação pode ser feita em 1/3 da área em fevereiro, para uso em junho-julho e 2/3 em março, para uso em agosto-setembro. A maior quantidade em março se justifica porque a taxa de crescimento de março em diante é mais lenta.
Quanto essa forragem diferida for ser usada, ela terá, pelo menos 120-150 dias de crescimento e, portanto, seu valor nutricional é baixo. Há grandes chances dela conter menos que 6% de proteína bruta na matéria seca. Esse valor é limite, abaixo do qual o funcionamento normal do rúmen é comprometido. Com o funcionamento do rúmen prejudicado, a ingestão de matéria seca é muito reduzida.
O aporte de proteína ao sistema faz com que haja uma grande recuperação na ingestão de matéria seca. Por exemplo, é comum que numa pastagem passada, pobre em proteína, o consumo de MS fique próximo a 1% do PV. A inclusão de 30 g Uréia/UA.dia faz com que esse consumo possa aumentar 50% ou mais. É essa a razão pela qual a suplementação de sal com uréia é capaz de manter o peso ou até resultar em pequenos ganhos.
Portanto, desde que a CC das vacas esteja adequada e haja boa massa de forragem vedada, na seca, basta que seja usada a mistura sal com uréia que a questão da nutrição desta categoria fica bem resolvida de uma forma bem econômica. Importante lembrar que com o sal com uréa deve-se fazer adaptação, usar cochos preferencialmente cobertos e necessariamente com algum desnível e furos para drenagem que evitem acúmulo de água.
Estando os animais com CC abaixo da desejada, pode-se usar misturas múltiplas ou mesmo suplementação concentrada para recuperar esses animais. Neste caso, é importante fazer contas e procurar alternativas de ingredientes que viabilizem financeiramente a suplementação, ou seja, que a relação benefício:custo permita fazê-la.
Para aqueles animais que, apesar dos esforços para que isso não ocorresse, tenham CC baixa na época de monta, há a chance de fazer uma suplementação estratégica com suplementos ricos em gordura poliinsaturada. Há bastante pesquisa em curso nesta área e já bons resultados. A fonte por excelência seria o grão de soja, uma vez que o caroço de algodão tem a presença de gossipol que, dependendo da concentração, pode ser deletério à reprodução.
Vacas de primeira cria costuma ter índices de fertilidade menores, pois elas tem maiores exigências, uma vez que além da gestação e depois lactação, elas ainda estão em crescimento. Para minizar esse problema, na primeira estação de monta a fertilização delas deve ser antecipada em relação ao rebanho geral. Fazendo assim, elas parem antes e, portanto, tem mais tempo para se recuperarem para a próxima inseminação.
Considerações finais
Com relação as modernas práticas citadas no início deste texto, não há absolutamente nada contra. Muito pelo contrário são ferramentas fabulosas para aumento de produtividade. O importante é chamar a atenção que não ter acesso a estas tecnologias, ou mesmo a uma inseminação artificial convencional não é motivo para conviver com baixos índices reprodutivos, uma vez que apenas com bom manejo de pastagem e uma mineralização adequada a obtenção de 90% de fertilidade é plenamente possível.
Um bom sal mineral deve ter:
1) Ser produzido com matérias primas de qualidade, livres de resíduos e contaminantes que possam ser tóxicos aos animais, ao ambiente e ao homem.
2) As fontes minerais utilizadas devem ser de boa disponibilidade aos animais
3) Boa granulometria que permita uma boa mistura e evite segregação do material, mantendo-o homogêneo.
4) Não apresentar problemas de palatabilidade.
5) Ter um balanceamento adequado, evitando-se exageros.
6) No caso de ser comprado no mercado, ser adquirido de empresa idônea.
Sérgio Raposo é pesquisador da Embrapa Gado de Corte.
Fonte: Resenha DBO